Reproduzo
abaixo o sempre excelente texto de Martha Medeiros:
Pudim de
sobremesa
Não há nada
que me deixe mais frustrada
do que pedir
Pudim de sobremesa,
contar os
minutos até ele chegar
e aí ver o
garçom colocar na minha frente
um pedacinho
minúsculo do meu pudim preferido.
Um só.
Quanto mais
sofisticado o restaurante,
menor a
porção da sobremesa.
Aí a vontade
que dá é de passar numa loja de conveniência,
comprar um
pudim bem cremoso
e saborear
em casa com direito a repetir quantas
vezes a
gente quis er,
sem pensar
em calorias, boas maneiras ou moderação.
O PUDIM é só
um exemplo do que tem sido nosso cotidiano.
A vida anda
cheia de meias porções,
de prazeres
meia-boca,
de aventuras
pela metade.
A gente sai
pra jantar, mas come pouco.
Vai à festa
de casamento, mas resiste aos bombons.
Conquista a
chamada liberdade sexual,
mas tem que
fingir que é difícil
(a imensa
maioria das mulheres
continua com
pavor de ser rotulada de 'fácil').
Adora tomar um
banho demorado,
mas se
contém pra não desperdiçar os recursos do planeta.
Quer beijar
aquele cara 20 anos mais novo,
mas tem medo
de fazer papel ridículo.
Tem vontade
de ficar em casa vendo um DVD,
esparramada
no sofá,
mas se
obriga a ir malhar.
E por aí
vai.
Tantos
deveres, tanta preocupação em 'acertar',
tanto
empenho em passar na vida sem pegar recuperação...
Aí a vida
vai ficando sem tempero,
politicamente
correta
e
existencialmente sem-graça,
enquanto a
gente vai ficando melancolicamente
sem tesão...
Às vezes dá
vontade de fazer tudo 'errado'.
Deixar de
lado a régua,
o compasso,
a bússola,
a balança
e os 10
mandamentos.
Ser
ridícula, inadequada, incoerente
e não estar
nem aí pro que dizem e o que pensam a nosso respeito. Recusar
prazeres
incompletos e meias porções.
Até Santo
Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou
e disse uma
frase mais ou menos assim:
'Deus,
dai-me continência e castidade, mas não agora'...
Nós, que não
aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem,
podemos (devemos?)
desejar
vários
pedaços de pudim,
bombons de
muitos sabores,
vários
beijos bem dados,
a água
batendo sem pressa no corpo,
o coração
saciado.
Um dia a
gente cria juízo.
Um dia.
Não tem que
ser agora.
Por isso,
garçom, por favor, me traga:
um pudim
inteiro
um sofá pra
eu ver Crepusculo,
uma caixa de
trufas bem macias
Não
necessariamente nessa ordem.
Depois a
gente vê como é que faz pra consertar o estrago . ..
Martha Medeiros